terça-feira, 11 de maio de 2010

Batistas perderam a identidade?

Batistas: Se há tantos modelos e padrões é porque não há identidade. 
 
Vigiai entrevista o pastor batista Sandro Pereira de São José dos Campos-SP
 
1) Recentemente o irmão escreveu o artigo "Batistas Brasileiros devem pedir perdão" e que teve grande impacto. Na sua análise onde se concentram os problemas dos batistas?

Creio que não tenho como pontuar com precisão as causas, as raízes e o centro do tornado que assola a igreja batista e outras denominações. A instituição não tem culpa, ela é excelente, o problema sempre será o homem, quando corrompido. A corrupção do coração do homem teve início com o pecado da vaidade, que foi o estopim de toda tragédia humana e que começou fora da terra. Não tenho motivos para duvidar que a vaidade encontrou um grande e confortável espaço no coração da liderança, pois para mim é sobre ela que se concentra a maior carga de responsabilidade, nossas igrejas são reflexos de seus líderes. Quando os líderes deixaram de ser pastores todos os problemas começaram. Os problemas não surgiram agora, mas apareceram agora. São reflexos da indiferença, da ganância, da busca por status, da busca pelo dinheiro, da busca pelo conforto, dos conchavos, da omissão, da Laodicéia do século vinte. Concertos são necessários, mas sem arrependimento será impossível. Poderíamos começar com quem ostenta o título de pastor, que seja de fato.


2) Certamente todas as denominações têm problemas, têm homens, têm suas imperfeições... O irmão colocou a política como um problema. O irmão é contra o envolvimento dos pastores com a política partidária?

Totalmente contra, que o Senhor me livre deste mal. Não seria membro de uma igreja em que meu pastor se dividisse entre o púlpito e o palanque político.
Tenho colegas que se enveredaram por este caminho, eles sabem de minha posição e que nunca terão meu voto. A plataforma de defesa que diz que a posição de um pastor como vereador, deputado, senador, etc, pode ser uma ferramenta em favor do povo de Deus é desonesta. Quem pensa assim deve pedir perdão a Deus. As atribuições legislativas, executivas são para irmãos preparados para tais. Há muitos irmãos competentes, instruídos, eficientes, criativos, que devem ser os representantes de uma política sadia e honesta. Lugar de pastor é na igreja, atrás do púlpito, na casa da ovelha, no hospital com a ovelha, chorando com a ovelha, rindo com a ovelha, ensinando a ovelha, doutrinando a ovelha, orando com ovelha, cuidando do rebanho.
“...Ai dos pastores de Israel que se apascentam a si mesmos! Não apascentarão os pastores as ovelhas? Comeis a gordura, vesti-vos da lã e degolais o cevado; mas não apascentais as ovelhas. A fraca não fortalecestes, a doente não curastes, a quebrada não ligaste, a desgarrada não tornastes a trazer e a perdida não buscastes; mas dominais sobre elas com rigor e dureza. Assim, se espalharam, por não haver pastor, e se tornaram pasto para todas as feras do campo. As minhas ovelhas andam desgarradas por todos os montes e por todo o elevado outeiro; as minhas ovelhas andam espalhadas por toda a terra, sem haver quem as procure ou quem as busque. Portanto, ó pastores, ouvi a palavra do Senhor. Tão certo como eu vivo, diz o Senhor Deus, visto que as minhas ovelhas foram entregues à rapina e se tornaram pasto para todas as feras do campo, por não haver pastor, e que os meus pastores não procuram as minhas ovelhas, pois apascentam as si mesmos e não apascentam as minhas ovelhas, - portanto, ó pastores, ouvi a palavra do Senhor: Assim diz o Senhor Deus: Eis que eu estou contra os pastores e deles demandarei as minhas ovelhas; porei termo no seu pastoreio, e não se apascentarão mais a si mesmos; livrarei as minhas ovelhas da sua boca, para que já não lhes sirvam de pasto. Ez. 34.2-10

Este texto deveria provocar um choque no sistema nervoso de todo pastor. Quando não provoca, não é bom sinal.


3) O irmão vive na cidade onde se tornou um centro missionário e de novas experiências de evangelismo/administração, como a igreja com propósitos, com grande sucesso. Como o irmão vê o modelo de Rick Warren? Ele veio prá ficar?

Toda igreja deve ter propósitos, sem não tiver, não é igreja. O modelo em questão é um modelo sistemático de administração e crescimento, que para alguns funcionam para outros não, deu certo para alguns, para outros não. Existem muitos métodos, mas quem dá o crescimento é o Espírito Santo, se há méritos no modelo CP, nunca foi e nunca será do Rick. Mas bato na tecla que muito do crescimento que estamos vendo na verdade (em geral) não é crescimento, é uma avalanche de crentes trocando de igreja. Crescimento deve ser medido pela conversão, batismo e permanência de vidas no corpo da igreja. Quanto à permanência de modelos de igreja sinto que todos sofrem a mesma pressão, que é a da acomodação. Com o passar do tempo tudo vai se acomodando e o que era novo passa a ser trivial. O que era interessante por ser novo, diferente, chamativo, fica normal. Criam-se então mais novidades, programas, eventos, tudo para se manter diferente e que desperte interesse, a igreja passa ser uma empreendedora de entretenimento. O método fica refém de si mesmo, isso é perigoso. A igreja que permanece é a que fica cheia do poder do Espírito Santo.
Se tivesse que escolher, ficaria com o ensino do Pr D.L. Moody:
“Se quisermos o poder para reviver nossos amigos mortos em pecado, temos de olhar para Deus, não para homem. Se nos voltarmos só para os ministros, se nos voltarmos só para os discípulos de Cristo, para que façam essa obra, ficaremos decepcionados. Se olharmos para o Espírito de Deus e esperarmos que ele e somente ele nos conceda essa graça, então lhe daremos toda honra, e o Espírito fará sua obra”.


4) O investimento batista em missões não é alto, mas, é o maior entre as igrejas brasileiras. Mas, existem outros modelos com custos muito inferiores, como a OM em São José dos Campos, Kairós, entre outras missões. Os batistas deveriam rever o seu projeto de missões?

Sim, é preciso rever principalmente o modo de administrar os recursos. O Vale do Paraíba é um exemplo. Todos os eventos evangelísticos, missionários [que ainda são poucos], na maioria são exclusivos de igrejas. Quais as campanhas expressivas e de repercussão foram organizadas pelos Batistas Brasileiros no Vale nos últimos anos?
Isso sem falar nos problemas existentes; igrejas e congregações que não avançam, fracas, quase sem forças, correndo o risco de fechar; igrejas sem pastor; pastores deixando o campo; os seminaristas não estão mais a frente de congregações - não são sustentados pela denominação; missionários batistas circulando pelo vale a serviço da denominação, onde estão? De fato, muita coisa precisa ser revista pelos batistas brasileiros no campo missionário.


5) Os batistas sempre foram considerados grandes estudiosos bíblicos, mas, isto está mudando entre os mais jovens. O que está acontecendo?

Respondo com uma pergunta: Quais os exemplos e incentivos que eles recebem?


6) Os batistas mais fundamentalistas sempre criticaram os batistas tradicionais, mas, o crescimento deles sempre foi pequeno e com muitas igrejas fundamentalistas com um pequeno número de fiéis, com raras exceções. Os batistas tradicionais estão abandonando mesmo os princípios batistas em nome da modernidade?

Já vivemos a pós-modernidade! Segundo a definição do filósofo francês Lyotard, a pós-modernidade é a situação em que as grandes narrativas [sistemas filosóficos dos quais a consciência e a ação do homem tomam base] deixam de ter credibilidade que tinham. Aplicando isso a nosso contexto, muito do que era bom, saudável, alicerce, convicção, hoje é tachado como ultrapassado. Está em moda o relativismo, o liberalismo. Ainda que não digam abertamente, para vários, a bíblia passou a ser um livro de história em quadrinhos, cheia de personagens imaginários, míticos, alegóricos.
Não acho interessante o fundamentalismo exagerado, mas não compactuo com a teologia liberal. Estratégias são negociáveis, princípios nunca.


7) A ruptura dos batistas renovados com os batistas tradicionais causou um grande problema denominacional, mas, hoje existe uma proximidade com os renovados. Entretanto, hoje dezenas de igrejas tradicionais se renovaram e até com modelos fora dos padrões, como o G.12, e vivem no cobertor denominacional. Isto atrapalha a identidade batista?

Pois é, qual é identidade batista brasileira em 2010?
Se a denominação deseja manter um padrão, um histórico é preciso se posicionar.
Se a denominação aceita e quer conviver com tudo e com todos também precisa se posicionar, tem que sair do muro. A defesa de que o método de igreja é prerrogativa da cada igreja local e que a democracia batista é intocável serve como uma janela de fuga para uma liderança que não quer se comprometer, que fica em cima do muro, que joga o jogo do politicamente correto. Se há tantos modelos e padrões é porque não há identidade. Já houve .


8) A Escola Bíblica Dominical batista sofreu muito com a extinção da JUERP, apesar da tentativa de se manter o conteúdo através da manutenção da produção das revistas, acabou que muitas igrejas mesmo mantendo o modelo tradicional, mudaram de fornecedor e a doutrina; dia a dia se perde um pouco de essência em muitas igrejas. O que fazer para combater isto?

A Juerp não sobreviveu porque não se modernizou. Um material que foi referencia durante muito tempo foi se enfraquecendo aos poucos. As últimas lições que tive a oportunidade de fazer uso eram carregadas, sem graça e de difícil compreensão por parte do aluno comum de igreja. Foi levada ao óbito por administrações desastrosas. Ainda há boas literaturas, mas o cuidado precisa ser maior na hora da aquisição.
Seria bom se pudéssemos voltar a ter um bom material batista à disposição das igrejas. Uma nova editora, bons escritores, boas lições, seria um ponto a favor da denominação. Talvez para o futuro isso volte a ser uma realidade, hoje é impossível. O que tenho feito em minha igreja é produzir o meu próprio material, também uso material de outras editoras, mas com critérios e para idades específicas.



9) A música sacra no meio batista sempre foi um ponto alto de convergência e de adoração. Hoje, 9 entre 10 igrejas se "alogonizaram" com os seus chamados Grupos de Louvor, onde em geral existe mais show do que adoração. Como ser atual sem perder a essência?

Certa vez em sala de aula no seminário, um professor de aconselhamento pastoral disse à sala que apontaria erros teológicos em todas as músicas que são cantadas na igreja em nossos dias. Há então falta de bíblia nos louvores, onde falta bíblia falta tudo.
Grande parte das músicas de hoje são ruins mesmo, aliás, nem sei se posso chamar de musicas. O que falar dos shows, tem de tudo, menos adoração. A palavra de Jesus para a samaritana ecoa em todo mundo, “o Pai procura por verdadeiros adoradores”. Muito barulho, aquelas mesmices nas ministrações, o apelo emocional. Dá pra ficar enjoado. Podemos ser atuais sem perder a qualidade e a espiritualidade. As musicas precisam melhorar, as letras precisam melhorar, os músicos e cantores precisam se consagrar, sem modismos e para quem ministra adoração na igreja, viver o que canta é fundamental.

10) Evangelismo pessoal, folhetos, estudo teológico, mídia gospel, internet, Associações... São tantos os assuntos. Vamos ter que fazer uma nova entrevista. Dê as suas considerações finais.

Já disse em outra oportunidade que me considero um pastor novo, 41, mas não gosto do que vejo em minha geração. Estão confundindo por demais a contextualização da igreja, usam pretextos para justiçar contextos que não estão nos textos. Podemos ser perfeitamente contemporâneos, sem perder qualidade. Se continuarmos como estamos sem sequer protestar, sem confrontar, sem se manifestar, sem fazer apologética, que tipo de igreja que meus netos irão freqüentar no futuro? Creio e vou lutando por uma igreja saudável.

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